Pedras que viram alpondras

Não se pode, nem se deve, em momento algum, perder a esperança de que as coisas podem melhorar”
Os versos são bem conhecidos: “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho/tinha uma pedra/no meio do caminho tinha uma pedra.// Nunca me esquecerei deste acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas./Nunca me esquecerei que no meio do caminho/tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho/no meio do caminho tinha uma pedra”. Trata-se da poesia No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade (Alguma poesia. Carlos Drummond Andrade. – São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 36).
Devido a uma situação vivenciada por mim no início da semana, os versos do poeta mineiro me vieram à mente. Na quarta-feira precisei ir ao Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos da Universidade Estadual do Ceará (Iepro) a fim de resolver uma pendência relativa a um curso que a minha filha havia iniciado naquela instituição. Ao entrar, me dirigi a uma senhora que me mandou sentar. Depois que falei sobre o motivo da minha visita, ela me explicou os procedimentos a serem adotados para resolver a situação. Pediu-me que aguardasse alguns minutos, pois, “com um pouco de paciência, tudo se resolve”. Logo mais, sempre com muita solicitude, ela foi detalhando todas as etapas que eu teria que cumprir.
Uma das primeiras condições era colher a assinatura da minha filha em um documento. Falei da dificuldade que ela teria de se ausentar do trabalho para ir ao Iepro. “Não tem problema”, retrucou, “vamos à sala do diretor. Se ele autorizar, o senhor leva o documento e depois o devolve assinado”. Pouco depois estávamos diante da respectiva autoridade, que, ante a explicação oferecida pela servidora, imediatamente aquiesceu.
As demais etapas foram todas solucionadas de forma muito tranquila e com toda comodidade para mim. Por fim, quando fui conduzido pela solícita servidora à porta de saída, ao lhe formular os meus melhores agradecimentos, ouvi dela essa frase: “Eu gosto de ser uma pedra no caminho, mas uma pedra que ajuda a levantar”, e fez com as mãos um gesto para o alto, de quem ajuda outrem a se erguer.
Saí do Iepro maravilhado e emocionado por constatar que, apesar de tudo que se fala do mau atendimento que grassa em nosso país, tanto no serviço público quanto no privado, ainda há pessoas cientes de que atender bem custa pouco, é só uma questão de boa vontade. Portanto, não se pode – nem se deve, em momento algum -, perder a esperança de que as coisas podem melhorar.
Depois de tudo, enquanto dirigia, no meu retorno para casa, pensando na frase proferida pela servidora que me atendeu, lembrei a poesia do Drummond. Ao rememorá-la, refleti sobre as muitas pedras que encontramos pelo caminho ao longo da vida, e concluí: a sorte é que, algumas delas, ao invés de obstáculos, transformam-se em alpondras, auxiliando-nos na travessia.
Vasco Arruda
vascoarruda@gmail.com Psicólogo
Fonte: http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2014/02/15/noticiasjornalopiniao,3207162/pedras-que-viram-alpondras.shtml
Jornal O POVO – 16/02/2014